sábado, 16 de julho de 2011

MONÓLOGO

Ouço os pingos, ora esparsos, às vezes agressivos. Parecem tapar-me as narinas e me dão a leve sensação de mergulhar na liquidez do cenário.
É isso! O oceano obscuro da sala parece esconder minha sombra e sem movimentos eu tento desvendar meus móveis. O que será que eles escondem? Memórias? Presente?
Ai! Já não posso respirar, e isso me apavora! O fato de me assustar com o efeito da chuva, me assusta! Veja só, meus pensamentos estão desconexos e me afastam da realidade.
O frio que sinto já não faz sentido. As minhas mãos estão queimando, mas gelam tudo o que toco.
Insanidade, meu Deus! Não quero enlouquecer, mas a lucidez a que fui submetida por todo esse tempo é a pior das loucuras.
A sala escurece tanto que já nem consigo ouvir os pingos. Era o ritmo cordial da chuva que me fazia sentir viva, e agora já não posso escutar a pulsação.
Não ouço, não respiro, não vejo, não sinto...

Catherine Santana

RETRATOQUALQUER

Já me descrevi tantas vezes em pensamento, mas nunca consegui me definir (acho que nem o quero...).

Mais conveniente seria dizer das figuras que me retratam, que representam a minha essência anônima, às vezes até para mim.
Falar do laranja solar depois de um dia repleto de condições, do olhar vazio que permite enxergar, do renascimento ao encontrar-me sozinha com palavras nas mãos, de surpreender-me chorando ao descobrir a gota d’água por Bibi Ferreira, de sentir naquela expressão o meu sentimento.
Falar da relação íntima que se criou com o autor por um solo de clarineta, da surpresa e satisfação em descobrir o postal para Catherine, de chorar a seca de uma vida Severina, de ver um pedaço de mim em Chico, de lembrar da primavera e de algumas sombras que vivi com Drummond, e nunca esquecer que eu não vou me adaptar, assim como Antunes; porque metade de mim é essência e a outra é mudança.

Catherine Santana

TENTAÇÃO

A canção de Raul já dizia que “o diabo é o pai do rock”, e agora, para mim não restam dúvidas de que o poeta dizia a verdade.
O tentador do diabo aparece nos momentos mais inoportunos justamente para causar um alvoroço interno que deseja se externalizar. Aquela vontade de esquecer que existem regras, números, responsabilidades, e o maldito do arrependimento que sempre nos acomete depois da consumação criminosa.
Estar lá entre a quadra poliesportiva e o violão, com o pensamento fora da cabeça, da realidade, fora da exatidão matemática, e com o aspecto de um viajante inconseqüente, que não sabe escolher para onde vai.
Estar lá, entre os arremessos “esportagressivos” e diante do filho ateu com voz angelical.
Está lá o Zé, o violão, eu, a vontade ainda mais aguçada de ouvir do que mesmo de cantar, o desejo fremente de visitar aquele outro universo a que somos transportados quando ouvimos a primeira nota de uma sucessão, aquele desejo de esquecer que existe passado e que existirá um possível futuro. Está lá a tentação! Está lá o diabo! Estar lá, diante da simplicidade do desejo de viver e de acreditar que viver não é um crime.
Sábio Raul...”O poeta está vivo, foi ao inferno e voltou”, e com ele, a tentação de ser feliz...

Catherine Santana