segunda-feira, 18 de julho de 2011

O barulho do ventilador

Há alguns 82 anos os pais colocavam o nome de seus filhos ou de Maria, caso fosse menina, ou José, caso fosse menino. Não foi diferente com José de Nostalgia, que nascera prematuro numa noite de Corpus Christi.
José de Nostalgia sempre foi uma criança estudiosa e sofredora. O mais velho dos cinco irmos, aos oito anos teve que ir trabalhar para ajudar seus pais. Aos dezessete perdeu seu pai e se tornou o homem da casa, com ainda mais responsabilidades. Quando o caçula de seus irmãos já havia quinze anos e ele vinte, sua mãe morrera de tuberculose. Foi então que José de Nostalgia deixou seus irmãos com Luís, o segundo mais velho, e resolveu seguir sua sofrida vida.
Em busca de felicidade, José de Nostalgia foi morar numa cidade grande para tentar a vida lá. Eis que conheceu sua futura mulher e mãe de seus filhos.
Aos vinte e cinco se casaram. Aos vinte e sete tiveram seu primeiro filho; e para seguir a tradição, chamou-o de José. Nos três próximos anos tiveram outros três filhos, Márcia, Marcela e Carlos.
Quando José de Nostalgia já tinha cinqüenta anos, com seus filhos já na faculdade; José fazendo Medicina, Marcela Direito, Márcia e Carlos alguma curso novo e desconhecido na época; e sua vida tranqüila, com sua casa própria e com seu modo de vida razoável, sem muito luxo, porém sem miséria, ele não tinha mais o que fazer, a não ser levar aquela vida de aposentado que todos os idosos levavam.
Aos setenta anos, com seus filhos já casados e morando em outras cidades, José de Nostalgia e sua mulher não haviam mudado nada, as mesmas rugas no rosto e os móveis de sua casa nos mesmos cantos. Nada havia mudado.
Mas foi aos oitenta anos, quando ele e sua mulher haviam se mudado para um apartamentinho no sul de uma cidade tranqüila, que suas vidas mudaram, ou melhor, a vida de seu José de Nostalgia mudou. Sua mulher havia morrido de tuberculose há duas semanas, como sua amada mãe, porém nessa época eram muito mais raros os casos de tuberculose.
Enquanto estou contando essa história a vocês, caros leitores, seu José de Nostalgia está sentado em sua poltrona de couro marrom, localizada em frente a sua porta, no centro da sala, relembrando toda sua história de vida.
Um tapete redondo e vermelho velho em sua sala, era o único objeto que dava cor àquele cômodo. Havia também um ventilador, porém não muito velho, se comparado a seus móveis, mas com um barulho irritante, mas não a seu José de Nostalgia.
Ele não conseguia acreditar na fatalidade que sua mulher sofrera. Junto com o fato de seus filhos nem sequer mais telefonavam para ele, como se ele houvesse morrido junto com sua mulher.
Já não comia e nem vivia adequadamente. Acordava lá para as sete da manhã, sentava na mesa e tomava apenas dois dedinhos de café, que ele havia preparado dois dias antes. Ao terminar, ia direto sentar em sua poltrona, esperando a morte bater em sua porta. O barulho do ventilador continuava.
Ninguém ia visitá-lo nem mesmo seu visinho. Os passarinhos que antes cantavam em sua janela, não cantam mais. Antes, o sol que iluminava seu quarto ao amanhecer, já não passa do prédio que construíram em frente a sua janela. O irritante barulho do ventilador não cessava.
A comida feita por sua mulher, hoje é entregue apor um restaurante a ele, a mando de seu filho, que todo mês pagava, mas não ia em sua casa; e o barulho do ventilador continuava.
Sua televisão que antes funcionava perfeitamente, agora só lhe mostra listras pretas e brancas. Seu radinho dos anos 70 já não funciona. Apenas o ventilador, com seu barulho irritante, funciona.
Havia outra coisa que já funcionava bem, seu coração. Seus batimentos estavam baixos, desde a noite em que sua mulher se foi. Ele não pensava em mais nada, a não ser em seu passado. Não falava nada, há tempos sua boca não se abre, apenas para comer ele faz este esforço. Nem o ventilador, com seu barulho irritante ele desligava. Sua audição também já estava falha.
A única esperança de seu José de Nostalgia era a morte. Que em minha opinião, só não chegava devido ao barulho do ventilador.
Foi então, que no dia em que o almoço não foi entregue, que à noite ele permaneceu acordado, que ele se sentou no lugar em que sua mulher se sentava, José de Nostalgia faleceu. O barulho do ventilador cessou.
José de Nostalgia não se incomodava com o tal barulho irritante do ventilador, pois foi ele que desde que sua mulher faleceu nunca o deixou só, seu barulho era o conforto que ainda o deixava vivo.
Mas José foi para o céu, levando consigo sua Nostalgia, que venceu as barreiras do confortável barulho de seu ventilador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário